30 de novembro de 2011

Martin Heidegger: O Humanismo

A obra de Martin Heidegger (1889-1976) é marcada por sua insistência em apelar para uma radicalização do pensamento metafísico tornou-o um dos filósofos mais célebres do século XX. À exceção de Ser e Tempo (1927), que ficou inacabado, todos os outros textos de sua autoria foram publicados na íntegra, em língua moderna (alemã) e durante sua vida. Se as teses e idéias de Heidegger são obscuras, isso deve-se a sua maneira hermética de reinterpretar os termos metafísicos, a partir de um retorno à origem helênica da discussão sobre o ser e o pensar. Por vezes, esbarra-se na dificuldade de traduzir o significado de suas palavras e conceitos, devido à interpretação inovadora que ele impõe aos termos das línguas grega e alemã. Palavras como physis (em grego, "natureza"), dasein (em alemão, "ser-aí"), ousia ("substância"ou "essência" grega) e zeit ("tempo", alemão), por exemplo, fazem parte de um vocabulário que já não é mais o dos helenos e alemães, mas sim heideggeriano. Isso porque, a linguagem, para esse autor, será o elemento mais característico da essência humana. E só através de uma linguagem apropriada pode aflorar a verdade de todas as coisas, pondo às claras o fundamento de tudo. A metafísica de Heidegger procurava, então, retomar o questionamento do ser e a busca de seu fundamento, por intermédio da linguagem originária. Nesse sentido, a linguagem, comparada ao logos helênico, é a base do real sobre a qual os fenômenos se expõem com clareza. O homem, enquanto portador da língua, é um ser privilegiado para responder como o "ser-aí" deve ser compreendido na sua condição temporal. Contra a vertente aristotélica da metafísica, que faz com que o homem perca sua humanidade, ao ser considerado um ente entre os demais, Heidegger procura mostrar que as relações das coisas existentes é provisória e atrelada ao tempo em que elas ocorrem. O fenômeno, ao manifestar-se no tempo, portaria o sentido do ser. Ao passo que o homem, com sua linguagem, concebido como contemporâneo do ser, em sua existência ao lado do ser, proporcionaria a oportunidade de entendimento desse "ser-aí" presente no tempo, não como um objeto de estudo fixo, constituído por diversas categorias reificadoras - que transformam o ser em uma coisa sujeita à experiência concreta. Ao se manifestar de vários modos o ser revelaria a sua essência no tempo, ao contrário da concepção aristotélica que visava sua classificação, de acordo com as diversas maneiras de existir atemporais. Heidegger entendia o homem como aquele ser portador da verdade e que sua essência seria a preservação dessa verdade, por intermédio de um pensar radical, calcado na origem do pensamento pré-socrático. A nova metafísica proposta por ele supõe haver um único significado autêntico do ser, a saber, aquele cuja essência se encontra na temporalidade própria. Qualquer outra forma de reconhecimento do ser, baseada numa técnica de pesquisa científica, provocaria o esquecimento e a ocultação da verdade do ser. A Presença do Ser O conceito de Dasein, traduzido por "ser-aí", assume um papel fundamental na metafísica heideggeriana. É o "ser-aí"que permite o entendimento do ser, a partir do próprio ser em três níveis de conhecimento. No nível ôntico, o "ser-aí" seria determinado pela presença do ser, entre os entes. No estágio ontológico, o "ser-aí"é compreendido como existência num tempo determinado, "aí", fundamentando o ser. Por fim, na esfera ôntico-ontológica, o "ser-aí"determinar-se-ia pelo ser em sua atuação no mundo, princípio de realização de todas ontologias tradicionais. A despeito dessas três etapas de conhecimento do ser, Heidegger vai propor uma nova ontologia que se funde na verdade do ser irredutível a sua entificação e prática cotidiana. "Ser-aí" é aquilo que é característico do homem. Só o homem, na concepção heideggeriana, existe como um "ser-aí"capaz de revelar-se, sem se esgotar ou identificar com ele. O homem teria a possibilidade de trazê-lo à luz e apresentar-se enquanto tal, ou seja, sendo um ser que se mostra no tempo. Por ser dotado de linguagem, o homem tem a condição necessária para a manifestação do próprio ser no tempo, não como objeto tradicional das ciências e filosofia ocidental, mas na forma de uma subjetividade entrelaçada, na qual sujeito e objeto se mesclam em um pensamento originário. Talvez essa seja a grande contribuição crítica de Heidegger à filosofia. Ele foi um dos primeiros a tentar superar a relação Sujeito-Objeto, na qual a filosofia - notadamente a Teoria do Conhecimento - havia se detido. Foi pioneiro ao propor uma alternativa para o impasse para o qual a modernidade caminhava, apontando as dificuldades que tal dicotomia proporcionava à compreensão metafísica do ser. Ao chamar atenção para a linguagem como veículo de manifestação do ser, Heidegger queria dizer que tanto nos significados das palavras, como nos sons que elas transportavam, haveria um ser que fala por intermédio da língua. Sobre o Humanismo Na época em que a Carta Sobre o Humanismo fora impressa - em 1947, logo após o final da Segunda Guerra Mundial (1939-45) - a primeira parte da extensa obra de Heidegger já havia sido divulgada. Enquanto isso, na França de 1943, Jean-Paul Sartre publicara "O Ser e o Nada", fato que marcaria o advento do existencialismo francês. Heidegger, no entanto, sempre manteve-se desvinculado da corrente existencialista, não só porque era contra qualquer classificação do pensamento, mas, sobretudo, por causa do papel fundamental exercido pelo conceito de "nada", entre os franceses - para quem o nada poderia gerar a sensação de náusea existencial. Em Introdução à Metafísica (1953), ele irá propor a pergunta metafísica fundamental "porque há simplesmente o ser e não antes o nada?"(1) justamente para mostrar que toda confusão imposta ao conhecimento do ser ocorre por se supor que o nada nadificante possa existir em algum ente. Para Heidegger, essa noção de nada seria capaz de obscurecer o ser ao se tornar mais um ente entre os outros, fator pelo qual a questão metafísica fundamental não pudera ser respondida, até então, pela filosofia ocidental. Além disso, embora Heidegger já tivesse um renome respeitado no continente europeu, jamais ele escrevera uma obra com o teor explicitamente "humanístico" e "ético". Sua vinculação ao partido nazista, até o final da guerra, tornava ainda mais suspeita as intenções do autor de Ser e Tempo. Diante desse cenário, Jean Beaufret, existencialista francês que tentava relacionar a obra de Heidegger ao existencialismo, escreve uma carta pedindo ao pensador alemão que ele esclarecesse qual significado poder-se-ia dar ao humanismo abalado por duas guerras mundiais sucessivas. Carta Sobre o Humanismo é, portanto, a resposta dada por Heidegger às indagações de Beaufret. Em linhas gerais, o filósofo alemão irá propor, tendo por base o fragmento 119 de Heráclito (2), que a ética abandone o moralismo superficial e o legalismo dos códigos de costumes e procure encontrar a sua raiz na morada do próprio ser humano. A partir da compreensão radical da morada do ser no homem, seria possível entender como emergem todos os comportamentos e costumes cotidianos de cada um. Logo no primeiro parágrafo da Carta, a essência do agir - tema da ética é relacionado com o consumir e produzir que só pode se realizar naquilo que já é, ou seja, no próprio ser. No homem, o pensamento forneceria o acesso à linguagem e esta a manifestação da verdade do ser que o habita. Ao pensar, o homem pode estabelecer a relação do ser consigo mesmo. O pensar, assim, seria o engajamento numa ação que leva à verdade do ser. Para entender isso, seria preciso, segundo Heidegger, se afastar da concepção de pensamento prático e técnico oriunda de Platão e Aristóteles. Por conseguinte, a filosofia ocidental, pertencente a essa tradição, deveria abandonar a pretensão de conhecer os objetos e os entes de modo científico. O pensamento radical não se reduz às exigências de uma "exatidão artificial" dos sistemas teóricos, porém repousa sobre as expressões do ser exibidas em suas várias dimensões (3). Contrário às demandas por um humanismo e às novas correntes de pensamento rotulados, Heidegger vai dizer que "em sua gloriosa era, os gregos pensaram sem tais títulos"(4). Para ele, só quando o pensamento sai de seu elemento próprio é que, por perder o poder de guardar sua essência, a técnica passa a ser valorizada como atividade cultural e a "Filosofia vai transformar-se em uma técnica de explicação pelas causas últimas"(5), numa crítica direta à metafísica feita por Aristóteles, que buscava as causas últimas das coisas(6). O humanismo, de fato, deveria consistir numa meditação que preservasse o homem em sua humanidade, em sua essência. A essência do homem, contudo, não se resume em ser um organismo animal que pensa. Esse tipo de classificação científica, apesar de não poder ser negada e declarada como falsa, por Heidegger, revelaria "que as mais altas determinações humanísticas da essência do homem ainda não experimentam a dignidade propriamente dita do homem"(7). Ao homem cabe proteger a verdade do ser e, por conta disso, o ser não pode se identificar com o ente, tal como vem sendo feito pela filosofia ocidental. Heidegger supõe que o homem possa pensar a verdade do ser a partir da existência, isto é, daquilo que se apresenta como "ser-aí", a própria essência humana (8). Todavia, para experimentar sua essência e morada é preciso que se retomem as questões originárias da história do ser: sua "pátria", que na concepção adotada por Heidegger, aqui, não tem uma conotação nacionalista, mas apenas ontológica-historial de um momento no qual o homem esteve mais próximo do ser. O esquecimento do ser é o resultado desse distanciamento do homem de sua "pátria". Concebida nesses termos a metafísica heideggeriana revela um forte apelo à tradição clássica que se concretizaria pela volta ao pensamento originário helênico. O humanismo de Heidegger, nas suas próprias palavras, é aquele que "pensa a humanidade do homem desde a proximidade do ser” (9). O que está em jogo, portanto, não é o homem, mas sua história e origem, do ponto de vista da verdade do ser. O sucesso desse humanismo, para além do homem, depende da linguagem e do acesso do pensamento originário àquela verdade que pertence a linguagem. Em suma, "a essência do homem reside na ek-sistência"(10), isto é, o humanismo deve voltar-se não para o ente humano, mas sua existência autêntica na verdade do ser-no-mundo. O mundo, aqui, é concebido como o lugar no qual o ser aparece: uma clareira, no sentido heideggeriano (11). A verdade do ser ao ser pensada originariamente encontra a humanidade do homem, além do humano. Nesse contexto, a humanidade está a serviço dessa verdade que abandona a perspectiva técnica do homem biológico das ciências naturais. Caso contrário, a exigência por uma ética da obrigação deverá ser o meio pelo qual se ordenará e estabelecerá a conduta do homem da técnica, dominado pelos meios de comunicação de massa. Sem o caminho da origem, só através de uma ética de deveres o homem poderia "planejar e agir como um todo, correspondente à técnica"(12): uma vida inautêntica. A ética, como os demais ramos da Filosofia, surge a partir de Platão, segundo Heidegger. Antes dele os antigos pensadores helênicos não a conheciam. O éthos - palavra grega da qual se derivou ética; é traduzida geralmente por morada ou costume - era a maneira originária pela qual os helenos, como Heráclito, pensava essa questão (13). Isto significa que o homem é a morada (éthos) do ser.(14) Ao pensamento cabe a tarefa de edificar a casa do ser, onde o homem habitaria na verdade. O pensar originário, concluindo, é um agir que supera a noção prática e o produzir, uma vez que ele consome o mínimo do ser, ao pronunciá-lo em seu meio: a linguagem. O destino do pensar, afinal, é o ser.

Referências ARISTÓTELES. Metafísica; trad. Leonel Vallandro. - Porto Alegre: Globo, 1969. HEIDEGGER, M. Introdução à Metafísica; trad. Emmanuel C. Leão. - Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1987. ____________, _. "Sobre o Humanismo", in Conferências e Escritos Filosóficos; trad. Ernildo Stein. - São Paulo: Abril Cultural, 1983. HERÁCLITO."Fragmentos", in Os Pré-Socráticos;trad. José C.de Souza.-São Paulo:Abril Cultural, 1978. Notas 1. Veja HEIDEGGER, M. Introdução à Metafísica, p. 33 2. Veja HERÁCLITO DE ÉFESO. "Fragmentos", in Os Pré-socráticos, p. 90. 3. Veja HEIDEGGER, M. "Sobre o Humanismo", in Conferências e Escritos Filosóficos , p. 150. 4. HEIDEGGER, M. Op. Cit., idem, p. 150. 5. HEIDEGGER, M. Idem, ibdem, p. 151. 6. Veja ARISTÓTELES. Metafísica, cap. I e II. 7. HEIDEGGER, M. Ibdem, ibdem, p. 157. 8. HEIDEGGER, M. Ibdem, ibdem, p. 160-1. 9. HEIDEGGER, M. Ibdem, ibdem, p. 164. 10. HEIDEGGER, M. Ibdem, ibdem, p. 165. 11. Veja HEIDEGGER, M. Ibdem, ibdem, p. 168. 12. HEIDEGGER, M. Ibdem, ibdem, p. 169. 13. Veja HERÁCLITO DE ÉFESO. Op. Cit, idem. 14. HEIDEGGER, M. Ibdem, ibdem, p. 170/1.

© 2007 - Produzido por Profª. Ms. Cléa Gois e Silva - Mestra em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1995), tendo como áreas de atuação a Fenomenologia, Existencialismo, História da Filosofia, Teoria do Conhecimento e Ética. Autora do livro "Liberdade e Consciência no Existencialismo de Jean-Paul Sartre" e de vários artigos publicados em periódicos e trabalhos completos em anais de eventos. Leia mais: http://www.mundodosfilosofos.com.br/martin-heidegger-o-humanismo.htm#ixzz1fEd1hiF3

24 de novembro de 2011

Antônio Gramsci O filósofo italiano atribuía à escola a função de dar acesso à cultura das classes dominantes, para que todos pudessem ser cidadãos plenos 01/07/2011 20:08 Texto Márcio Ferrari Foto: Wikimedia Commons
Alguns conceitos determinados por Gramsci hoje são usadas no mundo todo Frases de Antonio Gramsci: “A tendência democrática de escola não pode consistir apenas em que um operário manual se torne qualificado, mas em que cada cidadão possa se tornar governante” “Todos os homens são intelectuais, mas nem todos os homens desempenham na sociedade a função de intelectuais” Nascido em Ales, na ilha da Sardenha, em 1891, numa família pobre e numerosa, Antonio Gramsci foi vítima, antes dos 2 anos, de uma doença que o deixou corcunda e prejudicou seu crescimento. Na idade adulta, não media mais do que 1,50 metro e sua saúde sempre foi frágil. Aos 21 anos, foi estudar letras em Turim, onde trabalhou como jornalista de publicações de esquerda. Militou em comissões de fábrica e ajudou a fundar o Partido Comunista Italiano em 1921. Conheceu a mulher, Julia Schucht, em Moscou, para onde foi enviado como representante da Internacional Comunista. Em 1926, foi preso pelo regime fascista de Benito Mussolini. Ficou célebre a frase dita pelo juiz que o condenou: "Temos que impedir esse cérebro de funcionar durante 20 anos". Gramsci cumpriu dez anos, morrendo numa clínica de Roma em 1937. Na prisão, escreveu os textos reunidos em Cadernos do Cárcere e Cartas do Cárcere. A obra de Gramsci inspirou o eurocomunismo – a linha democrática seguida pelos partidos comunistas europeus na segunda metade do século 20 – e teve grande influência no Brasil nos anos 1970 e 1980. Co-fundador do Partido Comunista Italiano, Antonio Gramsci foi uma das referências essenciais do pensamento de esquerda no século 20. Embora comprometido com um projeto político que deveria culminar com uma revolução proletária, Gramsci se distinguia de seus pares por desacreditar de uma tomada do poder que não fosse precedida por mudanças de mentalidade. Para ele, os agentes principais dessas mudanças seriam os intelectuais e um dos seus instrumentos mais importantes, a escola. Alguns conceitos criados ou valorizados por Gramsci hoje são de uso corrente em várias partes do mundo. Um deles é o de cidadania. Foi ele quem trouxe à discussão pedagógica a conquista da cidadania como um objetivo da escola. Ela deveria ser orientada para o que o pensador chamou de elevação cultural das massas, ou seja, livrá-las de uma visão de mundo que, por se assentar em preconceitos e tabus, predispõe à interiorização acrítica da ideologia das classes dominantes. Ao contrário da maioria dos teóricos que se dedicaram à interpretação e à continuidade do trabalho intelectual do filósofo alemão Karl Marx (1818-1883), que concentraram suas análises nas relações entre política e economia, Gramsci deteve-se particularmente no papel da cultura e dos intelectuais nos processos de transformação histórica. Suas idéias sobre educação surgem desse contexto. Para entendê-las, é preciso conhecer o conceito de hegemonia, um dos pilares do pensamento gramsciano. Antes, deve-se lembrar que a maior parte da obra de Gramsci foi escrita na prisão e só veio a público depois de sua morte. Para despistar a censura fascista, Gramsci adotou uma linguagem cifrada, que se desenvolve em torno de conceitos originais (como bloco histórico, intelectual orgânico, sociedade civil e a citada hegemonia, para mencionar os mais célebres) ou de expressões novas em lugar de termos tradicionais (como filosofia da práxis para designar o marxismo). Seus escritos têm forma fragmentária, com muitos trechos que apenas indicam reflexões a serem desenvolvidas. A mente antes do poder Hegemonia significa, para Gramsci, a relação de domínio de uma classe social sobre o conjunto da sociedade. O domínio se caracteriza por dois elementos: força e consenso. A força é exercida pelas instituições políticas e jurídicas e pelo controle do aparato policial-militar. O consenso diz respeito sobretudo à cultura: trata-se de uma liderança ideológica conquistada entre a maioria da sociedade e formada por um conjunto de valores morais e regras de comportamento. Segundo Gramsci, “toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica”, isto é, de aprendizado. A hegemonia é obtida, segundo Gramsci, por meio de uma luta “de direções contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no da política”. Ou seja, é necessário primeiro conquistar as mentes, depois o poder. Isso nada tem a ver com propaganda ou manipulação ideológica. Para Gramsci, a função do intelectual (e da escola) é mediar uma tomada de consciência (do aluno, por exemplo) que passa pelo autoconhecimento individual e implica reconhecer, nas palavras do pensador, “o próprio valor histórico”. “Não se trata de um doutrinamento abstrato”, diz Paolo Nosella, professor de filosofia da educação da Universidade Federal de São Carlos. Acesso ao código dominante O terreno da luta de hegemonias é a sociedade civil, que compreende instituições de legitimação do poder do Estado, como a Igreja, a escola, a família, os sindicatos e os meios de comunicação. Ao contrário do pensamento marxista tradicional, que tende a considerar essas instituições como reprodutoras mecânicas da ideologia do Estado, Gramsci via nelas a possibilidade do início das transformações por intermédio do surgimento de uma nova mentalidade ligada às classes dominadas. Na escola prevista por Gramsci, as classes desfavorecidas poderiam se inteirar dos códigos dominantes, a começar pela alfabetização. A construção de uma visão de mundo que desse acesso à condição de cidadão teria a finalidade inicial de substituir o que Gramsci chama de senso comum – conceitos desagregados, vindos de fora e impregnados de equívocos decorrentes da religião e do folclore. Com o termo folclore, o pensador designa tradições que perderam o significado, mas continuam se perpetuando. Para que o aluno adquira criticidade, Gramsci defende para os primeiros anos de escola um currículo que lhe apresente noções instrumentais (ler, escrever, fazer contas, conhecer os conceitos científicos) e seus direitos e deveres de cidadão. Elogio do “ensino desinteressado” Uma parte importante das reflexões de Gramsci sobre educação foi motivada pela reforma empreendida por Giovanni Gentile, ministro da Educação de Benito Mussolini, que reservava aos alunos das classes altas o ensino tradicional, “completo”, e aos das classes pobres uma escola voltada principalmente para a formação profissional. Em reação, Gramsci defendeu a manutenção de “uma escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa”. Para ele, a Reforma Gentile visava predestinar o aluno a um determinado ofício, sem dar-lhe acesso ao “ensino desinteressado” que “cria os primeiros elementos de uma intuição do mundo, liberta de toda magia ou bruxaria”. Ao contrário dos pedagogos da escola ativa, que defendiam a construção do aprendizado pelos estudantes, Gramsci acreditava que, pelo menos nos primeiros anos de estudo, o professor deveria transmitir conteúdos aos alunos. “A escola unitária de Gramsci é a escola do trabalho, mas não no sentido estreito do ensino profissionalizante, com o qual se aprende a operar”, diz o pedagogo Paolo Nosella. “Em termos metafóricos, não se trata de colocar um torno em sala de aula, mas de ler um livro sobre o significado, a história e as implicações econômicas do torno.” Para pensar Muitos pensadores clássicos da educação, entre eles Comênio (1592-1670) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), subordinavam o processo pedagógico à natureza. A própria evolução das crianças daria conta de grande parte do aprendizado. Gramsci tinha outra idéia. "A educação é uma luta contra os instintos ligados às funções biológicas elementares, uma luta contra a natureza, para dominá-la e criar o homem ‘atual’ à sua época", escreveu. Você concorda com ele ou considera equivocada a tese de que a cultura distancia o homem da natureza? Ou será possível conciliar as duas correntes de pensamento?

16 de novembro de 2011

14 de novembro de 2011

FOSSE EU APENAS

FERNANDO PESSOA

Fosse eu apenas, não sei onde ou como,
uma coisa existente sem viver,
noite de vida sem amanhecer
entre as sirtes do meu dourado assomo...


Fada maliciosa ou incerto gnomo
fadado houvesse de não pertencer
meu intuito gloríola com ter
a árvore do meu uso o único pomo...

Fosse eu uma metáfora somente
escrita nalgum livro insubsistente
de um poeta antigo, de alma em outras gamas,

mas doente, e, num crepúsculo de espadas,
morrendo entre bandeiras desfraldadas
na última tarde de um império em chamas...

*Lisboa,1888 +Lisboa 1935

28 de outubro de 2011

http://escola.britannica.com.br/ Este blog é mais uma dica ou referência para pesquisa.

28 de junho de 2011

LAMA MICHEL /

http://www.youtube.com/watch?v=XVgWwEs3IFA

9 de junho de 2011

Tratado de Ateologia – Michel Onfray
By
Hypnos
– 29 de junho de 2009Posted in: Resenhas

O Tratado de Ateologia de Michel Onfray é um ponto de referência do ateísmo contemporâneo. Publicado em 2007 pela editora Martins Fontes, a obra oferece argumentos relevantes que colocam o modo de vida do crente em questão. Desta maneira, não se trata de uma tentativa de provar objetivamente a não existência de Deus, mas destacar que as três grandes religiões monoteístas negam esta vida, desprezam o corpo e alimentam o sofrimento como barganha para um mundo no além. “Em nenhum lugar desprezei aquele que acreditava nos espíritos, na alma imortal, no sopro dos deuses, na presença dos anjos, nos efeitos da prece, na eficácia do ritual, [...]. Mas em toda parte constatei quanto os homens fabulam para evitar olhar o real de frente. A criação de além-mundos não seria muito grave se seu preço não fosse tão alto: o esquecimento do real, portanto a condenável negligência do único mundo que existe.” Onfray, fundador da Université Populaire de Caen, onde ministra suas aulas de filosofia, destaca, no início da obra em questão, uma citação do Ecce Homo de Nietzsche na qual o filósofo alemão declara que a noção de Deus é uma invenção e, além disso, criada como antítese da vida. É a vida, com todo seu esplendor e ímpeto trágico, que Onfray quer apresentar ao seu leitor.
A religião – conceito que engloba as três religiões monoteístas – esconde a verdade sobre o mundo, ou seja, um mundo cruel que obriga o homem a suportar tanto a existência, com todos os seus dilemas e dúvidas, assim como a morte, enquanto figura trágica a qual todos os homens já estão condenados. O homem, não enfrenta o(s) problema(s), mas se esconde atrás de máscaras da imortalidade produzidas pela religião: “[...] o crente, ingênuo e tolo, sabe que é imortal, que sobreviverá à hecatombe planetária…” Este saber, destacado por Onfray, foi, é e será, sempre alimentado por aproveitadores. Estes promovem um “comércio de além mundos” que concede segurança ao crente; tais comerciantes organizam uma espécie de tráfico metafísico para aqueles que precisam “reforçar sua necessidade de socorro mental.” O tráfico tem como motor a demanda do rebanho. Mas que demanda é esta? Vivemos, destaca Onfray, um tempo de “niilismo, o culto do nada, a paixão pelo nada, o gosto mórbido pelo noturno dos fins de civilizações, o fascínio pelos abismos e pelos buracos sem fundo em que se perde a alma, o corpo, a identidade, o ser e todo o interesse por o que quer que seja. Quadro sinistro, apocalipse deprimente…”, mas a crença em Deus ainda é, para grande maioria, um sinal de grande esperança. Logo, o homem espera um algo que nem se pode constatar a existência, no entanto, enquanto há esperança em Deus encontramos todos os sintomas de uma humanidade lançada em um vale de lágrimas. Mas como sair deste estado? “Uma ficção não morre, uma ilusão infantil não espira nunca, não se refuta um conto infantil.” Onfray revela a dificuldade de refutar a religião, o medo de alguns filósofos que estiveram neste limiar e, aturdidos pelo abismo metafísico, deram um passo para trás: “Deus mata tudo o que lhe resiste.” Assim, o homem está longe daquilo que o escritor chama de progresso ontológico. Deus ainda é objeto de muita “tagarelice de seus ministros”, de modo que a partir destes discursos em nome de Deus se constrói o conceito de ateu: o ateu é aquele que não acredita naquilo que eu acredito. Os efeitos são uma classificação crítica que promove uma filosofia oficial e uma filosofia não-oficial: “Quem, para falar apenas do ‘Grand Siècle’, leu Gassendi, por exemplo? Ou La Mothe Le Vayer? Ou Cyrano de Bergerac – o filósofo, não a ficção…? Tão poucos… E no entanto Pascal, Descartes e Malebranche e outros detentores da filosofia oficial são impensáveis sem o conhecimento destas figuras que trabalharam pela autonomia da filosofia com relação à teologia – no caso a religião judeo-cristã…”. Onfray destaca a possibilidade de rever a história da filosofia a partir de autores considerados marginais por grande parte dos historiadores da filosofia e, por este motivo, já escreveu três volumes de uma obra denominada Contra-História da Filosofia, de modo que os dois primeiro volumes foram traduzidos para a língua portuguesa e publicados em 2008.
Enfim, o Tratado de Ateologia de Michel Onfray é uma obra forte, pelos argumentos esboçados, desejosa, por fazer brotar a verdade da existência com suas penúrias e sofrimentos impossíveis de suprimir, sincera, por trazer à luz as idéias de sua reflexão pessoal sem o medo dos padrões institucionais determinantes, dramática, pela visão trágica do mundo, do homem e de Deus e, enfim, devota, pelo número de leitores que buscam nesta obra uma ofegante fundamentação teórica do próprio ateísmo.
ONFRAY, Michel. Tratado de Ateologia. São Paulo: Martins Fontes, 2007, 214 p.
Andrei Venturini Martins

15 de março de 2011